Já faz um tempo que eu estava planejando escrever esse post, falando das minhas duas filhas peludas, a Lola e a Cleo.
Foram minhas primeiras filhas (não meus primeiros cachorros, mas as primeiras que tive na minha vida adulta, que são vidas inteiramente sob minha responsabilidade, sabe?) e me ensinaram muito, muito, muito sobre ser mãe.
Na verdade, foi nelas que depositei a maior carga de neurose materna, e graças a isso a Malu e o Matias não tem uma mãe (completamente) neurótica.
Apesar de elas não serem cães de dentro de casa (marido não é fã do conceito), são parte da família e até as crianças nascerem eram tratadas meio que como filhas mesmo.
Depois da chegada da Malu, minha atenção acabou dividida e inevitavelmente elas acabaram tendo uma vida mais de cachorro mesmo, e, apesar de saber que elas sentem falta de ter mais do meu tempo e atenção acho que, na parte de tratamento, elas preferem que seja assim sem tantas neuras humanas pra falar a verdade, e são mais felizes vivendo intensamente sua essência canina.
A minha vida toda eu sempre fui apaixonada por animais, especialmente cachorros.
Na minha infância tive alguns bons amigos: Casper, Tobby, Lumpi, Billy, Bonnie e Fidel. Cada um deles tem um lugar muito querido na minha memória e no meu coração.
Na adolescência acabei me afastando do universo canino, quando mudei pra cá e passei a morar em apartamento.
Mas quando a gente começou a construir a nossa primeira casa, pra mim era certo que teríamos cães, tanto que o canil sempre fez parte do projeto, e só 3 dias depois da nossa mudança a pequena Lola, então com 3 meses, já veio morar com a gente.
Só que, no dia seguinte à sua chegada ela foi internada com uma doença muito, muito grave, chamada parvovirose, ela e dois de seus irmãos.
Foram 8 dias de muita tensão, em que ela ficou na corda bamba. Eu a visitava todos os dias, ela estava sempre muito abatida, murchinha, sem forças, e seus dois irmãos morreram, enquanto ela resistia.
Eu não lidei bem com aquilo, foi muito difícil pra mim. Ela era minha responsabilidade, uma vidinha em minhas mãos pela primeira vez e em tão pouco tempo já estava ali, correndo um risco tão grande.
Felizmente ela resistiu, um dia fui visitá-la e ela estava ainda deitada, magrinha, cansada, mas quando me viu abanou o rabinho, e aquilo foi um sinal de que as coisas iam melhorar.
Só que, depois disso eu fiquei com tanto medo de perdê-la que pirei.
Por um tempo eu fiquei muito, muito neurótica. Morria de medo que alguma coisa fosse acontecer com a cachorra e aí, nessa neura eu tranformei a bichinha num monstro carente, mimado e dependente de mim.
Ela dormia na casinha dela, bonitinha, mas só ia pra lá na hora que eu também ia dormir e quando o primeiro raio de sol brilhava no horizonte ela acordava e chorava, chorava, chorava sem parar, até que eu descia pra pegá-la.
O desespero da bichinha quando me via era tanto que chegava a doer.
Foi então que eu decidi achar uma companhia pra ela.
E aí chegou a Cleo.
Eu tinha três opções. E eu escolhi a Cleo pelo temperamento.
Enquanto as duas irmãs dela eram “padrão de exposição”, ela fugia ao padrão da raça, mas foi descrita como um cão tranqüilo.
E eu precisava disso, uma menina calma, porque a Lola já era doidona demais.
Ela chegou, sujinha, mal cuidada, com uma berne na cabeça, tadinha, mas naquela noite as duas dormiram juntas, na mesma casinha, e quando amanheceu, pela primeira vez a Lola não chorou, continuou dormindo ao lado da sua nova e fiel companheira.
A transformação da Cleo foi muito rápida, em poucos dias ela estava lindona, com o pêlo e os olhinhos brilhantes e um sorrisão estampado na fuça linda, que é sua marca registrada.
E as duas foram crescendo juntas, ensinando traquinagens uma pra outra, sempre se provocando, competindo, mas num amor só. Desenvolveram uma técnica pra caçar passarinhos juntas, uma chacoalhava a árvore pros filhotes voarem do ninho e a outra ficava só esperando pra abocanhar a vítima. Só eu sei como sofri cada vez que uma delas trazia um passarinho como “oferenda” pra mim, toda orgulhosa.
Foi por causa do amor imenso que esses dois seres despertaram em mim que eu me envolvi com a proteção animal, comecei a voluntariar numa ONG chamada Clube das Pulgas, me tornei protetora de animais por uma época, recolhendo cães e gatos de rua, cuidando deles, encontrando lares.
Com algumas amigas fundei a ONG Projeto Focinhos, pra diminuir a superpopulação e conseqüentemente o abandono de animais, e mesmo tendo parado de recolher animais depois que engravidei, e ter diminuído bastante minha atuação como voluntária depois que as crianças nasceram, continuei (e continuo ainda) dedicando parte do meu tempo para as atividades administrativas e financeiras da ONG.
Quando a Malu chegou as duas farejaram aquele trocinho enrolado na manta e logo entenderam que era parte da família, e sempre souberam que precisavam ter cuidado perto dela, principalmente a Cleo, que é o cão mais doce e carinhoso desse mundo.
A Cleo é o cão perfeito pra crianças. Ela é calma, delicada, adora um dengo e não pode ver um pequeno que se deita pra ganhar carinho. A Malu pode subir, enfiar a mão na boca dela, puxar o pêlo, tudo o que quiser que a Cleo fica lá, tranqüilona e curtindo o agrado.
E quando o Matias chegou, de novo ela se mostrou uma irmã mais velha super querida e protetora.
Só que ano passado, quando eu ainda estava grávida do Matias, no início de novembro a Cleo foi diagnosticada com osteosarcoma, câncer nos ossos. E o meu mundo caiu.
Seguindo as orientações da nossa super veterinária, iniciamos o tratamento que consistia em amputação do membro afetado (no caso uma das patas traseiras) e 8 sessões de quimioterapia.
E apesar de os primeiros 15 dias após a cirurgia terem sido bem difíceis, a Cleo se adaptou incrivelmente rápido à vida de tripezinha, correndo, subindo e descendo escadas e levando uma vida absolutamente normal e feliz.
Resistiu bravamente à quimio, sem nenhum efeito colateral, e no final de julho, quando fizemos os exames, estava completamente livre do câncer, sem nenhum sinal de metástase, que neste tipo da doença sempre acontece no pulmão.
Nesse meio tempo, nossa casa, que tinha um jardinzão imenso pra elas foi vendida.
Escolhemos a dedo o sobrado pra alugar, porque tinha que ter um jardim pras meninas, e encontramos esse aqui, com um espaço razoável, longe do ideal pra dois cães de grande porte, mas enfim, suficiente por um tempo.
E um dos motivos da ansiedade pela casa nova, pra mim, era justamente o espaço pra elas, já que o jardim lá vai ser bem grandão de novo.
Mas esses dias a Cleo ficou muito pra baixo, tristonha, estranha, quieta e entocada, e meu coração apertou. E lá no raio-x apareceram 3 grandes nódulos nos pulmões da minha doce menina.
E meu mundo caiu de novo, só que dessa vez, de vez.
Porque agora não tem mais nada que a gente possa fazer pra tratar. Podemos só tirar a dor dela, enquanto a doença evolui, sem que a gente possa impedir. E segundo nossa vet, vai ser rápido, muito rápido.
Então nós estamos medicando a menina, e ela está vivendo normalmente. Não sente dor, brinca, corre, late, abana o rabão, come direitinho, está levando a vidinha dela como se não houvesse nada errado.
E o fato dela estar tão bem me faz ter uma pontinha de esperança, de que ela ainda vai viver um tempo, e vai conhecer a casa nova…
Eu sonho em vê-la correndo com as crianças no jardim grandão. Eu fiz os arquitetos mudarem o projeto da casa 3 vezes até que eu gostei do canil, até que achei que ele estava ensolarado suficiente pra ela deitar de barriga pra cima pra bronzear a pança, como ela adora fazer, até que achei que o espaço fosse grande o suficiente pra elas correrem e poderem caçar seus passarinhos em equipe como sempre amaram fazer.
Mas meu lado realista está me preparando para o pior, porque segundo a vet pode ser a qualquer momento. E eu tenho que ser forte, porque tem duas coisas que são muito certas pra mim: eu não vou deixá-la sofrer e eu vou estar ao lado dela quando a hora chegar, e vou ficar com ela até o fim.
Só que não importa o quanto eu tente me preparar, eu nunca vou estar pronta pra me despedir. Nunca.
Tenho procurado curtir mais a companhia dela, passar um pouco mais de tempo dando um denguinho, depois que a loucura da casa passa, que as crianças vão dormir, mas a verdade é que nunca vai ser tempo suficiente, porque eu sempre vou querer um pouco mais daquele olhar tão querido, daquele sorriso tão feliz.
E meu coração está em pedaços, mesmo sabendo que esses bichinhos sempre nos deixam cedo demais, que eles não foram feitos pra viver o tanto que a gente vive, mesmo a veterinária tendo me dito ano passado que a expectativa era de um ano de vida com qualidade, mesmo assim eu esperava que ela fosse ficar com a gente mais tempo.
Como eu disse, fazia tempo que eu estava planejando escrever um post sobre minhas filhas peludas. Eu estava esperando o final de outubro, quando íamos repetir os exames da Cleo, e eu tinha certeza de que o pulmão dela ia estar limpinho, assim como estava no final de julho, e eu ia escrever um post pra contar a notícia feliz de que havíamos superado essa dificuldade e que estávamos comemorando um ano de vitória sobre o câncer.
Mas às vezes as coisas não saem bem do jeito que a gente planeja.
Lahna